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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Processo nº. 99.2570-9 - Classe 05023 - 1ª. Vara.

Ação: Ação Civil Pública.

Autor: Ministério Público Federal.

Réus: Maria Conceição Leão Costa

Carlos Alberto Pedreira Cardoso e

União Federal

Juiz: Ricardo César Mandarino Barretto.

 

Ação Civil Pública. Ocupação de cargo em comissão de companheira de Magistrado do TRT da 20ª Região. Ilegalidade. Inteligência das Leis 8.233/91 e 9.421/96. Inexistência de direito adquirido ao exercício do cargo em comissão. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Ação procedente para determinar o desligamento do cargo em comissão que exercia.

 

SENTENÇA:

Vistos etc...

O Ministério Público Federal propõe a presente ação civil pública cumulada com ação por improbidade administrativa, e com pedido de antecipação de tutela, em face de Maria Conceição Leão Costa Santos e Carlos Alberto Pedreira Cardoso, objetivando sejam os mesmos responsabilizados e condenados a ressarcirem os prejuízos sofridos pelo erário público, por ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, inciso I, da Lei nº 8.429/92.

 

Alega o autor que os réus mantêm relação de união estável, tendo sido a primeira ré nomeada para exercer o cargo em comissão de Diretora do Serviço de Pessoal - DAS – 101.4, em 15/12/94, pelo então Presidente do E. TRT da 20º Região, tribunal esse em que o segundo réu exerce as funções de Juiz.

 

Diz, ainda, que a nomeação e permanência no cargo em comissão da primeira ré constitui prática de nepotismo e que é ilícita por vários motivos, dentre eles: a) a primeira ré não possui os requisitos legais para o exercício da função, por não ter, sequer, o nível superior; b) A lei n.º 8.233/91, que criou o Tribunal do Trabalho da 20ª Região, proíbe, em seu art. 17, "a nomeação de parentes para os cargos em comissão até terceiro grau de Juízes em atividade ou aposentados há menos de 05 anos"; c) O art. 10, da lei n.º 9.421/96, vedou, expressamente, "a nomeação ou designação, para cargos em comissão e funções comissionadas, de cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau, inclusive, de juízes e membros de tribunais"; e d) o segundo réu foi eleito para a Presidência do TRT em novembro de 1996 e, mesmo ciente da condição ilegal de sua companheira, manteve-a no cargo, em total afronta aos dispositivos legais supramencionados.

Aduz que a condição de companheira da primeira ré, não a isenta das proibições legais elencadas, porque a Lei 8.112/90 equiparou companheira à esposa, tal como já o fizera o art. 226, §3º da Constituição Federal.

Informa, também, que, mesmo com a edição da Resolução Administrativa do TST n.º 338/97, ratificando as nomeações anteriores à edição da Lei n.º 9.421/96, que com ela fossem incompatíveis, a situação continuou ilícita, porque na Lei n.º 8.233/91 existia a previsão de proibição de permanência da ré no exercício da função para qual fora anteriomente designada, persistindo até a presente data, em prejuízo dos cofres da União.

Requer a notificação da União Federal nos termos do art. 6º, § 3º, da Lei 4.717/65, a concessão da tutela antecipada, no sentido de afastar a primeira ré de seu cargo e respectivos vencimentos e, ao final, a condenação dos réus no ressarcimento integral dos danos causados ao erário público, bem como a cominação das penas previstas na Lei n.º 8.429/92.

Com a inicial, os documentos de fls. 13 a 81.

Às fls. 83 a 85, deferi a antecipação da tutela.

Foi acostado Ofício da Receita Federal informando que o endereço dos réus, durante os anos de 1993 a 1994, foi o mesmo (fls. 94).

Às fls. 97/98 e 106/107, cópias da decisão do TRF da 5ª Região, em que foi concedido efeito suspensivo ao agravo interposto da decisão antecipatória da tutela.

Também foram acostados, às fls. 100 a 104, documentos oriundos do Banco do Brasil, cientificando a existência de conta conjunta entre os réus, bem como os seus endereços.

Os réus oferecem, em conjunto, contestação às fls. 129 a 136, aduzindo, em síntese, que o art. 17, da Lei nº 8.233/91, que criou o TRT da 20º Região, não contempla a hipótese proibitória de nomeação de companheira mas, apenas, de parentes consanguíneos ou afins, entendendo que onde a lei não fez previsão, não cabe ao intérprete criá-la.

Sustentam, também, que por não ser a Lei nº 9.421/96 auto-aplicável, foi expedida a Resolução Administrativa nº 388/97, pelo Tribunal Superior do Trabalho, regulamentando-a, e a qual ressalvou, como válidas, as nomeações anteriores à vigência da lei e que por esta eram consideradas ilegais. Argumentam, ainda, não ter a ré Maria Conceição ficado sob a chefia imediata, mas mediata, do segundo réu, quando este exerceu a Presidência do TRT da 20º Região, bem como não haver exigência legal de curso superior para o exercício de cargos de Direção e Assessoramento Superior-DAS.

Juntam documentos (fls. 139 a 171) e pedem a improcedência dos pedidos.

A União Federal opta por contestar o feito (fls. 174 a 181), alegando que a nomeação da ré Maria Conceição concretizou-se antes da passagem do segundo réu pela Presidência do Tribunal, entendendo, também, que este jamais manteve, sob sua chefia imediata, a ré Maria Conceição.

Refuta, ademais, ter ocorrido infringência à Lei nº 8.233/91, porquanto a proibição é de nomear parente consaguíneo ou afim, vínculos esses diversos do existente entre os réus, e, no que pertine à Lei nº 9.421/96, a própria ressalvou, em seu art. 11, as situações individuais constituídas anteriormente à sua vigência, não incidindo, no particular, a vedação prevista no art. 10, da mesma norma.

 

Aduz, por fim, inexistir qualquer exigência quanto à escolaridade para o exercício do cargo em alusão.

 

Com a contestação, os documentos de fls. 182 a 215.

 

O M.P.F. manifesta-se acerca das contestações e documentos acostados, ratificando a inicial e pugnando pelo julgamento antecipado da lide.

 

 

É o relatório.

 

 

Não há divergência fática entre as partes, resumindo-se a questão à matéria de direito, a indagar-se sobre a licitude ou ilicitude da manutenção da ré Maria Conceição Leão Costa Santos no cargo em Comissão de Diretora de Serviço de Pessoal DAS – 101.4, nomeada em 15.12.94, pelo então Presidente do Egrégio TRT, da 20ª Região, onde seu compaheiro Carlos Alberto Pedreira Cardoso ocupa o cargo de Juiz.

 

A ilegalidade do exercício da função por parte da ré existe desde a sua nomeação, eis que a proibição já existia quando da criação do TRT, da 20ª Região, através da Lei n.º 8.233/91, que, em seu art. 17, previa:

 

"Art. 17 – Não poderão ser nomeados, a qualquer título, para as funções de gabinete, cargos em comissão ou funções gratificadas, da administração do Tribunal, parentes consaguíneos ou afins até o terceiro grau, de Juízes em atividade ou aposentados há menos de cinco anos, exceto se integrantes do quadro funcional mediante concurso público".

A alegação de que a lei não previu as hipóteses de companheira não procede, porque se o objetivo do legislador, ao regular matérias de lei de iniciativa do próprio Poder Judiciário, foi coibir a prática de nepotismo, com muito mais razão a proibição se estende à esposa e, por equiparação, às companheiras, tal como prevê a norma constitucional do art. 226, § 3º.

 

Ora, se o nepotismo foi coibido para os parentes até o terceiro grau, como não admitir sua proibição para a companheira, face ao teor da regra do art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, que determina:

 

"Art. 5º - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum."

Os fins sociais foram justamente o atendimento ao clamor da sociedade contra a prática centenária de emprego a parentes no serviço público, em detrimento daqueles que se submetem aos rigores dos concursos públicos.

 

O que causa espécie no recurso de agravo, é a censura a atitude do órgão ministerial, que desejaria buscar notoriedade falsa, quando, justamente, visa aplicar normas plenas de carga social, especialmente porque, dentre os reclamos da sociedade, a crítica ao nepotismo é a que mais tem emergido com a força de uma indignação cívica.

 

Ainda que se admitisse que a Lei n.º 8.233/91 não tenha sido expressa no proibir cônjuge ou companheiros de juízes para exercer cargos comissionados no TRT, da 20ª Região, a Lei n.º 9.421, de 24.12.96, que criou carreiras de servidores do Poder Judiciário, tem uma abrangência induvidosa. No art. 10, a proibição é expressa para o âmbito da Justiça Comum Federal, Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho, incluindo-se, aí, os Tribunais superiores e o próprio Supremo Tribunal Federal que, em seu regimento interno, já previa tal vedação:

 

Diz o art. 10:

 

"No âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo é vedada a nomeação ou designação, para os Cargos em Comissão e para as Funções Comissionadas, de que trata o art. 9º, de cônjuge, companheira ou parente até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados..."

Trata-se, como se vê, de regra auto-aplicável e de eficácia imediata, não havendo porque o TST havê-la pretender regulamentado, como o fez na Resolução 338/97, para admitir a permanência dos parentes nomeados antes do advento da Lei.

 

Ainda que tivesse o TST competência para regulamentar a lei, não poderia avançar para dizer o que o legislador não disse, agredindo o conceito de direito adquirido, previsto constitucionalmente, que a Lei de Introdução ao Código Civil, na verdade, lei de introdução ao Direito Brasileiro, definiu, em seu art. 6º, § 2º: "Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem."

 

Os cargos comissionados, funções de confiança são demissíveis "ad nutum", sujeitos, pois, a condições alteráveis ao arbítrio de outrem, isto é, quem nomeia, pode exonerar sem dar satisfação, porque não há direito adquirido ao cargo (art. 37, II, da Constituição). A situação jurídica só é consolidada para o recebimento dos vencimentos e contagem de tempo para a aposentadoria. Nada mais.

 

 

Evidentemente que o Juiz, ao determinar o afastamento da ré do cargo, não agiu como administrador, não a exonerou "ad nutum", como imaginou o ilustrado Relator do agravo. Na verdade, reconheceu, tão somente, uma situação ilegal, afastando a suplicada do cargo que, ilegitimamente, exerce.

 

Houvesse direito adquirido ao exercício de cargo comissionado, se extintos esses, seus ocupantes seriam postos em disponibilidade, jamais exonerados.

 

A aplicação imediata da Lei n.º 9.421/96, tornando ilegítimo o exercício de cargo comissionado na situação da ré, não significa ofensa ao princípio da irretroatividade da lei. A lei está sendo aplicada para o futuro, afastando dos cargos os ocupantes que, a partir daquele momento, são considerados irregulares. Houvesse retroação, determinaria a devolução dos vencimentos percebidos, o que não foi o caso.

 

No particular, o STJ já reconheceu que, não só o servidor comissionado não é estável, como também não tem direito adquirido ao exercício de cargo comissionado. Vejamos:

"Administrativo. Funcional. Cargo. Função.

I – Inexiste direito adquirido ao exercício de função comissionada. Esta, por sua própria característica é admissível e demissível "ad nutum" da administração.

II – Improvimento do recurso."

(Ac. unânime proferido em ROMS nº 134-SP / 1ª Turma do STJ / Rel. Min. Pedro Acioli / DJ de 16.04.1990 – pág. 02864).

 

"Administrativo. Mandado de Segurança. Servidor Público do departamento da Polícia Rodoviária Federal. Nomeação em Cargo Comissionado.

    Patrulheiro Rodoviário Federal não tem direito líquido e certo a ser investido em cargo comissionado de Chefe do Serviço de Operações, provido por ato discricionário do Ministro da Justiça e demissível "ad nutum".

    Mandado de Segurança denegado."

(Ac. unânime proferido em MS nº 4264-DF / 3ª Seção do STJ / Rel. Min. Vicente Leal / DJ de 05.10.1988 – pág. 00012).

 

"Funcionalismo. Cargo em Comissão. Estabilidade.

I – A estabilidade em cargo comissionado não foi assegurada pela Constituição de 1988. Aliás, cargos de confiança tem como pressuposto essencial a demissão e admissão "ad nutum" da administração.

II – Recurso a que se nega provimento."

(Ac. unânime proferido em MS nº 793-MS / 1ª Turma do STJ / Rel. Min. Pedro Acioli / DJ 03.06.1991 – pág. 07406).

 

"Administrativo. Exoneração. Cargo de Confiança.

    1. A lei não precisa dizer expressamente que o cargo é de confiança. O cargo de "escrevente-chefe" e, como o próprio nome indica, comissionado, admitindo demissão "ad nutum".
    2. Recurso improvido."

(Ac. unânime proferido em ROMS nº 8043-SP / 6ª Turma do STJ / Rel. Min. Fernando Gonçalves / DJ 05.05.1997 – pág. 17128).

 

Quanto ao caráter alimentar do salário, a que também alude o insígne Relator do agravo, este Juiz não desconhece, como também não desconhece a forma de provimento dos cargos públicos, sejam eles efetivos ou não, para saber que o caráter alimentar não se coloca acima das regras constitucionais. Pelo contrário, delas decorre.

 

Tivesse o caráter alimentar essa abrangência, não haveria desemprego no País, pois o Estado não poderia exonerar servidores não estáveis e empresários não poderiam demitir empregados. Nem os auxiliares de doméstico poderiam ser demitidos. Uma ficção, portanto, longe de plausibilidade na conjuntura sócio-econômica do nosso País e sem a proteção do nosso ordenamento jurídico.

 

Quanto à alegação dos réus da desnecessidade de diploma de nível superior para o exercício do cargo, efetivamente a lei não exige, expressamente, tal requisito, mas, se o cargo é de Direção e Assessoramento Superior – DAS, evidentemente que não pode ser exercido por quem apenas tem nível médio ou haja cursado só o primeiro grau.

 

Basta que se recorra ao dicionário, para se ter o exato significado da expressão superior que, no dizer de Aurélio:

 

"(Do latim superiore) adj. 2 g 1. Que está mais acima; mais elevado; súpero: Este monte é superior àquele. 2. Que atingiu um grau muito elevado, supremo, sumo: É homem de cultura superior". (em "Novo Dicionário Aurélio da Língua Superior – 2ª edição – pág. 1630).

Com todos esses predicados, como pretender que um cargo de nível superior possa ser exercido por quem não o tem?

 

De mais a mais, os fundamentos anteriormente expostos são o bastante para chegar-se à firme conclusão de que a ré Maria Conceição Leão Costa Santos deve ser afastada do cargo que ocupa.

 

Quanto à aplicação da regra do art. 12, III, da Lei 8.492/92, requerida pelo autor, deixo de fazê-lo com relação ao segundo réu, porque o ato não foi dele e, com relação à primeira ré, porque não houve má fé, ressaltando, ainda, que a mesma prestou serviço.

Isto posto, julgo procedente a ação, exclusivamente para determinar o desligamento da ré Maria Conceição Leão Costa Santos, do cargo em comissão de Diretora do Serviço de Pessoal – DAS 101.4, tornando definitiva a tutela antecipada concedida nas fls. 85.

P. R. I.

Aracaju, 10 de agosto de 1999.

 

Ricardo César Mandarino Barretto

Juiz Federal - 1ª Vara