Processo n.º 2000.85.00.5642-3 - Classe 02000 – 1.ª Vara.
Ação: Mandado de Segurança.
Impte: Gilberto Nogueira do Nascimento.
Impto: Superintendente do INCRA e Outro.
Juiz Federal: Ricardo César Mandarino Barretto.
Constitucional e Administrativo. Interrupção de férias de Procurador Autárquico. CF, art. 37, e art. 80, da Lei n.º 8.112/90. Abusividade caracterizada.
- Revela-se arbitrário e abusivo o ato administrativo que não declara, fundamentadamente, as razões ensejadoras do mesmo, em evidente contrariedade à legislação de regência, e em discreta afronta à determinação judicial anterior.
- Segurança concedida.
SENTENÇA:
Vistos, etc...
Gilberto Nogueira do Nascimento, qualificado na inicial de fl. 02, impetra o presente Mandado de Segurança preventivo, com pedido de liminar, contra o Superintendente Regional e o Gerente de Recursos Humanos do INCRA, em Sergipe, objetivando seja determinado às autoridades coatoras que se abstenham de praticar qualquer ato punitivo contra o impetrante, em face do não atendimento, pelo mesmo, da ordem de suspensão de suas férias, determinado pela primeira autoridade.
Em sua explanação, alega que teve assegurado o direito ao gozo de 60 dias de férias, através de sentença proferida no Mandado de Segurança n.º 99.5953-0, o qual tramitou neste Juízo, tendo, por conta disso, requerido e alcançado deferimento para gozo dos primeiros trinta dias, no período entre 04 de setembro e 03 de outubro do ano de 2000.
Entretanto, atendendo às considerações do MEMO/INCRA/SR23/J n.º 107/2000, a autoridade impetrada suspendeu as férias do impetrante, alegando, para tanto, a sua designação para Presidir a Comissão de Sindicância relativa ao Projeto Lumiar, não tendo, todavia, o impetrante acatado à determinação, eis que exercia o direito assegurado por ordem judicial, voltando ao serviço somente após o término do citado período de férias.
Tece considerações acerca da ilegalidade do ato praticado, amparando-se em ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais para fundamentar a sua tese, junta documentos, pede a liminar e, afinal, a concessão da segurança.
Às fls. 38/39, deferi a liminar.
Notificadas, as autoridades apontadas como coatoras prestam informações às fls. 43 a 49, pugnando, preliminarmente, pela ausência de direito líquido e certo do requerente.
No mérito, justificam a decisão de suspender as férias do impetrante face aos inúmeros compromissos do órgão para com a sociedade e mesmo internamente, visando atender à demanda do serviço.
Assevera, ainda, ser indispensável a prévia notificação da concessão das férias ao impetrante, como condição à fruição das mesmas.
Discorre mais quanto à indubitável competência dos Superintendentes regionais para decidir, como o foi no caso, quanto à suspensão ou não de férias de servidor.
Juntam documentos, requerem a denegação da segurança, e a consequente suspensão da liminar.
Com vista ao M.P.F. para opinar, foi acostado aos autos o parecer de fls. 85 a 88, pugnando pela denegação da segurança.
É o relatório.
A preliminar suscitada pelos impetrados, de inexistência de direito líquido e certo, insere-se no próprio mérito da demanda, pelo que deixo de apreciá-la como tal.
No mérito, o impetrante busca resguardar-se de sofrer qualquer represália, por parte dos réus, em razão de não ter atendido à determinação de retorno ao serviço, face à suspensão das suas férias.
Tal fato se deu em virtude de haver conseguido, através de anterior mandado de segurança, o reconhecimento do direito ao usufruto de 60 dias de férias, na condição de procurador autárquico, e, posteriormente, tendo agendado e obtido deferimento, junto ao órgão onde exerce suas funções, quanto ao início do primeiro período, viu-se tolhido em seu direito.
Regendo a matéria, dispõe o art. 80, da Lei n.º 8.112/90 (Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais):
"Art. 80. As férias somente poderão ser interrompidas por motivo de calamidade pública, comoção interna, convocação para júri, serviço militar ou eleitoral, ou por necessidade do serviço declarada pela autoridade máxima do órgão ou entidade." (grifei)
Como deixei assentando na liminar, o direito de férias do servidor público, garantido constitucionalmente, somente pode ser obstado nas situações previstas no art. 80, da Lei n.º 8.112/90. Tratando-se de norma administrativa, sua fiel obediência é dever do administrador, sob pena de nulidade do ato.
Vê-se, claramente, que a norma em comento elege razões sérias a ensejar a interrupção do período de descanso do servidor, a exemplo de ocorrência de calamidade pública, comoção interna, chamamento para exercício de funções de extrema relevância como o militar e o eleitoral e a convocação para júri. No campo da "necessidade do serviço", o administrador público deve pautar-se com extrema cautela e sensatez, ao indicar referido motivo como fundamento para tal ato, tendo sempre como parâmetro as hipóteses anteriores, ou seja, aplica-se a interpretação analógica, a qual procura estabelecer o real significado e alcance do preceito através da semelhança com fórmulas casuísticas estabelecidas no dispositivo – o que é diferente da analogia, forma de auto-intergração da lei. Tal a melhor exegese a adotar-se.
Raciocinar de outro modo, é permitir-se uma abrangência desmedida de discricionariedade, não desejada pela lei, tendendo-se a desbordar para a arbitrariedade, posto, como cediço, sendo enorme a demanda pelos serviços públicos, a exigir uma quase ininterrupta prestação, possibilitaria, a qualquer momento e por quaisquer motivos simplórios, como explicitamente argumentaram os impetrados, justificar decisões nesse sentido, sem maior zelo e ponderação.
No caso do impetrante, suas férias já estavam designadas desde o dia 15.08.2000, inclusive com a consignação, em seus vencimentos do mês de agosto, do terço constitucional (fl. 34), e, faltando apenas 06 dias para o início de seu gozo, a autoridade impetrada, atendendo à solicitação da Procuradoria Regional, a mesma que antes deferiu a solicitação, suspendeu as férias do autor, ao que parece, por "necessidade do serviço", sem que, entretanto, esta fosse declarada pela autoridade máxima do órgão, tal como prevê a norma do art. 80, da Lei n.º 8.112/90.
Não subsistem os argumentos de que o impetrante compunha uma comissão de sindicância, com prazo a se expirar, eis que, conforme documentos juntados pelos próprios impetrados, às fls. 51 a 55, desde maio do ano de 2000, a Superintendência Regional do INCRA, neste Estado, tomou conhecimento da ordem de rescindir os contratos referentes ao Projeto "Lumiar", sem no entanto tomar as providências cabíveis. Apenas no dia 13 de setembro de 2000, passados já 10 dias do início das férias do autor e aproximadamente 04 meses desde a primeira cientificação, o órgão veio a receber novo comunicado, exigindo a imediata conclusão dos trabalhos da aludida comissão de sindicância (fl. 55).
Ora, como exposto acima, e em cotejo com as informações das autoridades coatoras, a interpretação do art. 80, da Lei n.º 8.112/90, ora adotada, é plausível, restando evidente a preocupação do legislador ao descrever uma série de hipóteses, e graves, como o fez no citado dispositivo, a ensejar a interrupção das férias, como norteadoras para o administrador público, porquanto, de modo diverso, agiram os réus, para quem "qualquer necessidade do serviço" e "por tratar-se o INCRA de autarquia federal responsável pela reforma agrária no país, é notório o seu envolvimento com os Movimentos Sociais, daí as cobranças de ordem política e social, advindas tanto do campo externo e interno", legitimam a suspensão das férias de um servidor.
Palavras óbvias para qualquer cidadão com um mínimo de discernimento e conhecimento da realidade social, mas inéptas a dar sustentação para o ato combatido, que, como vimos, há de ser pautado em sérios motivos. Lembro não se tratar, aqui, de interferência do Judiciário no mérito do ato administrativo discricionário, com o qual, repito, não concordo. Todavia, a decisão atacada refoge do critério da razoabilidade, eis que tem, como objetivo, na realidade, frustrar a decisão judicial anterior, buscando fundamentos de relevo administrativo.
Naturalmente que, sob a premissa de não ser dado ao Judiciário intervir no mérito do ato administrativo, disfarçadamente, a Autoridade buscou tornar ineficaz determinação judicial anterior. Com isso, agrediu o Princípio da Razoabilidade, fonte inspiradora de todo e qualquer direito.
Sob outro prisma, e ao se considerar nos dias de hoje que, após 12 meses de serviços, havendo sempre toda uma programação e preparação para as futuras férias, não se coaduna com a boa técnica de administração, albergada hoje, textualmente, pelo Princípio da Eficiência (art. 37, da Constituição), pautem-se decisões ser ter em conta o elevado prejuízo a ser suportado pelo servidor, mormente quando, como o foi na espécie, toda uma conjunção de urgências deveu-se por inaptidão do órgão em observar precedentes solicitações superiores e conduzir-se com esperada organização e eficiência.
Isto posto, concedo a segurança em definitivo, confirmando a liminar anteriormente deferida, para determinar às autoridades coatoras a abstenção de qualquer ato punitivo ou represália contra o impetrante, tomando-se por base os fatos descritos nestes autos.
Custas pelos impetrados.
Sem honorários, por força da Súmula 512, do STF.
Sentença sujeita a reexame.
P. R. I.
Aracaju, 20 de março de 2001.
Ricardo César Mandarino Barretto
Juiz Federal – 1.ª Vara